quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Ciclo Hídrico

28/11/2019

Toda tarde chuvosa me reinvento.
As gotas que caem lá fora
me penetram.
Infiltrado, minhas correntezas internas
me levam aonde querem;
aonde meu leme não permite ir.

Irrigado, me afundo em mim.
Me afogo no mar de minhas entranhas
e sou devolvido a minhas areias;
a meu corpo granulado pela chuva.

Chuva!, domina minhas veias,
para eu não ser mais do que água.
Água em movimento.
Dissolve meu veneno e faz de mim
aquário.
Ecossistema de sentimento.
Lava meu peito direito,
pois sei que quando se for,
volto a ser leito.
E se agora sou rio, nascente e foz,
sem chuva meus laços viram nós
e retorno ao fogo de que sou feito.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Harmonia

23/10/2019

Sinto mais do que cabe em mim,
pois ouço, em seu vai e vem cortante,
um sussurro deveras distante
de minha ânsia em permanecer assim
como sou: não mais do que estou,
não menos do que eu fui,
de onde vim, pra onde vou.

Seu silêncio, em meu peito escancarado,
ressoa.
Minha carne, aberta em ferida,
carne viva,
entoa em meu ser, que se desfaz.
E sua cor, que em mim se esvai,
é um aviso a minhas ondas:
encarne!, pois há, no fundo, uma parte boa
em seu devir.
E, enquanto outros são ilha,
seu sentir te faz lagoa.

Ouso ser concreto, mas não me basta.
Preciso de pele no mato;
me abastecer de maresia,
sufocar na sinfonia
do mundo concreto de fato.
Se cada dia nasço, morro e mato,
me mato sempre que não sinto o chão,
não vejo o céu.
Me escondo sob o véu abstrato do sal.
Derreto ao sol, escorro na chuva,
e o vento sem curva me turva.
Engessado não sou;
concreto não vim;
dourado não vou.
Tudo flui;
muito estou;
nada sou.

domingo, 30 de junho de 2019

Haiku 5

30/06/2019
في صحراء وغابة
تحت نور الشمس
هناك زهوري

no deserto e na floresta
sob a luz do sol
lá estão minhas flores 

Grande Explosão

30/06/2019

tudo começa, tudo termina
e tu quer ser eterno
de verde e amarelo
feche os olhos, meta a bomba
que eu sou seu inferno
não uso seu terno

pixo meus olhos pra ver
fecho a boca pra comer
meu corpo tá vivo
mesmo desmentido
não sou consumido por você
pelo seu critério
mesmo deletério
sigo vivendo, sorrindo e sofrendo
e tu se faz de sério

séria é a bomba que eu trago em meu peito
sorriso esfolado, discurso cansado
eu não sou perfeito
mas sigo no mundo, vivendo e morrendo
esse é o meu jeito
vivendo e morrendo
esse é o meu jeito

então se prepara pra cair
quero te ver quando eu explodir
não aondo sonho
tem no meu caminho
contração e expansão
concentração e explosão
ferro e fogo
cego socorro
mato e morro
eu sou seu velório
parece simplório
num mundo ilusório
tudo que eu digo parece simplório
cansei desse mundo
que merda de mundo
meu peito palpita
um desgosto profundo
fim
recomeçou tudo

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Horizonte de Eventos

10/04/2019

Isento de sentidos para me expressar,
sigo sozinho.
Sem sentido para minha luz
sem caminho.
Sou quente ou frio?
Destoo do meu ser, pois sou.
Mais do que sei que sou.
Assim será.

Em meu veu que sou eu mesmo,
engulo o que me tocar.
Não me vejo, pois não te vejo,
e aqui não adianta falar.
Basta contemplar,
sem sentido para a minha luz,
sem caminho.
O mundo começa do lado de lá.
Aqui, se não for pra sonhar,
deixa estar.
Porque ser é demais.

Sou mais do que meu tamanho pode indicar.
Busque os indícios de minha prisão,
se quiser me encontrar.
Distante do verso do seu olhar,
sou diverso.
Avesso aos sentidos
que pecam em me enxergar.
No fundo de mim
há mais do que sonha encontrar.

Mas cuidado ao se aproximar.
Sou um vórtice de tudo em mim,
e se você for chegando assim,
vai se perder e não mais se achar.
Melhor ficar assim:
distante.
Serei apenas um evento
em seu horizonte.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019