quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Harmonia

23/10/2019

Sinto mais do que cabe em mim,
pois ouço, em seu vai e vem cortante,
um sussurro deveras distante
de minha ânsia em permanecer assim
como sou: não mais do que estou,
não menos do que eu fui,
de onde vim, pra onde vou.

Seu silêncio, em meu peito escancarado,
ressoa.
Minha carne, aberta em ferida,
carne viva,
entoa em meu ser, que se desfaz.
E sua cor, que em mim se esvai,
é um aviso a minhas ondas:
encarne!, pois há, no fundo, uma parte boa
em seu devir.
E, enquanto outros são ilha,
seu sentir te faz lagoa.

Ouso ser concreto, mas não me basta.
Preciso de pele no mato;
me abastecer de maresia,
sufocar na sinfonia
do mundo concreto de fato.
Se cada dia nasço, morro e mato,
me mato sempre que não sinto o chão,
não vejo o céu.
Me escondo sob o véu abstrato do sal.
Derreto ao sol, escorro na chuva,
e o vento sem curva me turva.
Engessado não sou;
concreto não vim;
dourado não vou.
Tudo flui;
muito estou;
nada sou.

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