sábado, 30 de maio de 2015

Quanto um Tanto

30/05/2015

Cada vez que vejo um rosto bonito
alguma coisa me corroi por dentro.
É tanta dúvida, tanto questionamento...
Nem sei o que me atrai de fato,
ou se essa atração é mesmo fruto do meu desejo.
Às vezes me sinto programado a obedecer a um padrão,
a gostar do que me foi dito para gostar.
E agora me sinto culpado por continuar no padrão.
E agora? O que fazer?
Bate um desespero tão grande,
uma impotência,
uma sensação de estar sendo vigiado.
Dá uma vontade de não gostar de mais nada.

Como os nossos gostos são facilmente moldáveis...
Com a televisão, igreja, "bons costumes",
nossos pensamentos, morais, princípios
são mesmo nossos?
Como saber desenhar a linha do "eu"?
Como saber qual pensamento que eu tenho
é fruto do meu intelecto?
Preconceitos são tão eficientes
que viram uma espécie de instinto.
E é preciso uma vida inteira
(talvez duas)
para superar uma vida inteira
de construção do preconceito,
de lavagem cerebral.

Me leva a pensar quem sou eu,
se eu tenho tanto que não vem de mim.
E as minhas mudanças?
Como permaneço eu mesmo?
Se eu perder um braço,
ou o controle das pernas,
continuo a mesma pessoa;
mas com hormônios a mais ou a menos,
mudo meu humor e minhas ações.
Mudo meus pensamentos constantemente.
Esse ainda sou eu?
E quem eu era era eu?

Quanto de mim sou eu?

Todouniverso

30/05/2015

Já fui um filósofo em essência,
um pensador em natureza.
Já fui um amante do amor,
um ensaísta das paixões.
Já fui um solitário poeta revolucionário.
Ao menos em síntese,
já fui tanto quanto poderia ser.
(e ainda serei um tanto mais)

Hoje, temo pelo meu futuro.
O contrato social me sufoca.
O dia a dia esgota minhas forças revolucionárias.
O ódio constante esmaga meu amor poético.
E o que eu acho do amor, afinal?
Nem eu sei mais.
Já lancei meus radicalismos para todos os lados:
desde não acreditar nessa fantasia
a só acreditar numa fantasia universal.
Quase uma deidade sentimental.
Um hexagrama unicursal.
"Ame revolucionariamente!"
Só se for todomundo, todacoisa.
"Todomundodentrodevocê!"
Só se for assim.
Se for todouniverso dentro de mim.
(e algo mais)

domingo, 17 de maio de 2015

Nada me (as)Falta

17/05/2015

Por aqui anda tudo
com as pernas do outro.
Fala tudo com as palavras do outro.
Vê tudo com os olhos do outro.
Aqui é tudo diferente.
Na praia não tem contemplação.
É quase um concurso, discurso do corpo, competição,
mas ninguém para para ouvir as ondas.
Ficam lá, monologando, tadinhas.
É duro não ser escutada.

Aqui não ganho abraços diários
e carinhos singelos.
Aquele beijo no rosto de amor que não se mede.
Os encontros nas terças,
os sorrisos das quartas.
Nem o desespero praiano dos domingos.
Aqui nem sou praieiro, mas sou marinheiro só.

Às vezes fico curioso de coisa besta
só pra ter o que perguntar.
Porque saudade é um bicho que ruge,
mas não fala.
Às vezes não sei falar direito,
mas aí já não é novidade;
só tenho que achar um coqueiral
com vento e salitre pra me acolher.
Às vezes sinto falta das festas chatas
que só ia por causa das pessoas amadas.
O tempo não para, mas os fatos também não.

Sou exagerado, mas faz parte do fogo
(que não me falta)
e do ar que vai levando meus pensamentos.
Tenho muitos sonhos e pouco tempo.
E eles vêm assim, de mansinho,
e não se importam muito em saber se estou dormindo.
Eles têm seu próprio tempo.
(e sua própria voz)
Sabe aquela voz potente?
Chega assusta.

Lembro quando a Lua parecia me saudar, de noite.
E eu, educado, saudava de volta.
Ela vinha, majestosa,
espalhar seu amarelo sobre o céu;
uma poesia só dela.
Eu tinha que parar.
Quando meu caminhar era interrompido por ela,
felicidade tamanha...!
Era interrompido sem ser interrompido.
Parava de andar para flutuar.
E quando olhava pro mar?
Tem como não querer se afogar?
Era cedo, o início do novo turno, da nova voz.
Um início tão belo...
Daqui a vejo às vezes.
(às vezes não)
Tem prédio, nuvem, chuva...
O que será do meu coração
se a Lua se esconde na poluição?

Mas vamos lá, já vi o nascer do Sol
(o pôr também)
e confesso que foi magnífico.
Tem umas visões que não se repetem;
umas companhias também.
Outras coisas se repetem até demais,
e essa miséria toda dá uma tristeza sem fim.
Não adianta pedir piedade,
que pedidos não ajudam muito.
Ainda sou um felizardo:
tenho fome de vida de verdade.
De velejar.
Quero velejar.
Mas só depois da tormenta.
Mês que vem vem a calmaria,
porque não pode sempre ser aflição.

Constelações e Sonhos

16/05/2015

Quisera que as constelações tivessem voz própria.
Que não fóssemos nós a escolher sua forma,
seu nome,
seu destino,
para que elas pudessem escolher nosso destino.
Quisera que as constelações tivessem voz própria.
Para que não fosse eu a escolher sua voz,
suas falas,
seus textos.
Quisera que as constelações tivessem voz própria.

Sei como é.
Eu sei, mas não me custa sonhar.
O sonho é um reino - velho - todo novo
que fala sem ter voz.
E brilha no escuro sem ter luz.
Sei como é,
mas nem sempre saber adianta.
Nesse vagar sem fim,
no acelerar do afastamento,
tudo certo.
Porque não adianta achar o erro
nesse jogo dos infinitos erros.
O sonho é precessão.
E as constelações nos olham
com olhar de repressão.
Sei como é.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Meio do Mato

13/05/2015

O tempo é relativo.
O espaço é psicossomático.
A comunhão espaçotemporal numa cidade grande é atroz.
Pelos caminhos asfaltados da vida,
o coração palpita em frequências anormais.
Pelas selvas acimentadas das ruas,
a mente encolhe a uma semente de vida
sem vida.
Basta de fumaça de automóvel!
Quero cheirar fumaça de fogueira!
Deslocar-me no espaço-tempo,
entrar num buraco de minhoca,
numa realidade paralela onde prevaleça a Natureza.
Quero ser a Natureza.
Uma parte do todo
e o todo de todas as partes.
Ser.
Viver plenamente como um pássaro planando no ar.
Ser.
Sentir os raios solares em minha pele
e me proteger na sombra de uma árvore.
Sentir os odores do que me entorna
e me contorna
e me completa.
Ser.
Entrar no meio do mato,
(só quando estou no mato me sinto vivo)
porque existe mato em mim.
(e eu existo no mato)
Existir.
Ser.
Cavar no meu chão um caminho intraterreno,
intrahumano,
astral,
que me leve a mim mesmo,
porque eu sou tudo.
Tudo.
Nada.
Nada há que me falte
quando chove em mim.
Quando não preciso de guarda-chuva.
Quando não uso guarda-chuva.
Chuva. Sol. Mar. Rio.
Nada a priori,
tudo a posteriori.
Tudo.
Emaranhamentos, teias, veias.
ondanuvem, plantachama
Tudo.
Dentro de mim.
Concentrar o inconcentrável
e fluir e fluir e fluir.
Até chegar ao Nada.
Melhor coisa é se sentir conectado.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Palavras São Só Palavras

01/05/2015

O mistério da vida me interessa
Nas cadavéricas atitudes diárias,
Na exploração das forças operárias
E no ódio implícito em cada conversa.

Sufocado pelo imperativo da luta,
Chego a um estágio que me assusta,
Pois para mudar essa vida injusta
Só vejo o caminho da força bruta.

Mas antes da ação faz-se palavra
E pensamento como casulo da larva
Que metamorfosear-se-á em beleza.

Pois antes de esgotar uma vida nova,
Antes de me cavarem minha cova,
Hei de compreender minha natureza.

Não Mexa Comigo

01/05/2015

Não mexa comigo.
Sou um animal selvagem calado
que quando está em perigo
não tarda em externar o seu rugido
e dilacerar as vísceras do inimigo.

Não mexa comigo.
Sou uma serpente rastejante megera,
e se você vier mover minha pedra,
se prepare para comer sua última ceia,
pois terá meu veneno a correr em sua veia.

Não mexa comigo.
Se eu puder te dar um último aviso,
eis uma sabedoria conhecida:
vá cuidar de sua própria vida
e deixe de lado a minha, pois senão
me transfiguro num leão
e você será minha próxima refeição.

Sou um morcego negro frutífero,
mas se vier mexer comigo,
viro rapidamente vampiro
e sugo seu sangue numa só mordida:
minha única investida em sua direção.
Mexa comigo e te coloco no caixão.