sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Sangue e Chamas

04/10/2024

As linhas cortadas de minha mão

sangram,  transbordam minha pele.
Meu peito, essa pavorosa prisão,
pulsa com o brilho que em vão me fere.

Que se encerre a distração!
Meu corpo, um sufoco; um lastro
de angústia, astúcia, sofreguidão.
O sangue me ferve, mas o corpo é vasto;
tem muito espaço para cada sensação.

As mãos no pescoço, uma convulsão.
Os punhos serram quando os dentes rangem.
As línguas ácidas me consomem,
e os pensamentos, como intromissão,
me leem. Seja qual for a conclusão,
os vestígios de paciência somem.

Ora, já chega, pois estou cansado.
O risco de sumir
só escapa na explosão.
Chega de ser fogo.
Agora sou vulcão.
E democracia, meu amigo,
não é imposição. 

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Next time, fuckers

(14/08/2023)


Me confundiam com incendiário.

Mas minhas faíscas só serviam ao sangue.

Borbulhado,

meu corpo permanecia perfurado

pelo ferro em minhas veias.

A cadeia de sulfato

me inundava a glote.

e eu chovia por dentro.


Me encantavam as cinzas.

Os veios de minhas entranhas

sucumbiam ao deslizamento litiar.

Os ventos assassinavam a métrica

desértica de minha geografia ocular.


E então veio o verbo.

No surto, o resquício do sumiço

volta a se encontrar.

O destino, sovino,

encarna as fibras do corrediço.

E a carne começa a oxidar.


Carbonizado,

o verso se converte em fuligem.

A virtude, em vertigem.

E o vasto vazio começa a desmoronar.

O gosto lúgubre, o olfato incerto

e o terror incólume:

vestígios de precessão no incêndio.

Não sou filho do amoníaco,

mas talvez seja do arsênico.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Arma-me

30/11/2022


Saca-me

Sarra o torso torpe

Torce

Agarra o cabo

Carrega o fardo

Move


Explora a sorte

O calor contaminado

Juízo alado

Pequena morte


Arfa-me

Suga-me o ar

O sangue

O jorro

O fogo-a-jato

O laço

Apaga-me


Afaga-me

Afoga-me

Em seu carinho

Roda mundo

Rodamoinho

Sem solução


No vasto mundo

Soluço

Inundado

Afogado

Resfolegado

Boiando no mar

Chegando a hora de zarpar

Sem anos de solidão

sábado, 3 de setembro de 2022

Amiúde

03/09/2022


Suspiros de noite e de dia.

Olhos abertos, despertos na fantasia

de sentir e ser.

Por dentro, a chama incessante

que só faz crescer.

Por fora, montanhas galgáveis,

cavalgáveis, para subir e descer.


Um rio escorrendo apresenta o caminho.

Nadar e ser embebido, dissolvido

na cachoeira do prazer.

Perder-se no escuro e perder os sentidos,

ouvindo só o que a alma tem a dizer.


Efervescer o ser e sublimar.

Dormir desperto e sonhar

com o mundo caindo de suas beiras.

E quando o corpo todo falhar,

deixar a mente subir às estrelas.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Sono sem Sonho

20/07/2022

 

A força do dia a dia

camufla as cores do mundo.

Sentado em meu canto sozinho,

cansado, observo tudo

com meu olhar daltônico.


Um sono sem sonho

é como estar acordado.

Os olhos ardidos,

a boca seca,

a faca cega.

Sossega esse peito, menino.


Colírio.

Lavar a alma com lágrimas

e terra.

Pé no chão, corpo nas nuvens.

Delírio.

Nós que desenrolam(os) em fios

cortantes.

Mente amolada,

faca.

Sede de fazer o sangue ferver.

Já posso voltar a sonhar,

mas sem esquecer de viver.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Nanopotente

27/04/2022

 

Em meus sonhos posso voar.

Que alegria seria

se em realidade ou fantasia

fizesse o que posso, ao sonhar.


Mas meu corpo vive no mundo real;

sem asas,

sem forças,

sem mãos a me levantar.

Minipotente.

Descrente no fututo

aonde vamos chegar.


Enquanto o sertão não virar mar,

um deserto cinzento é meu chão.

Caminho, sob o sol escaldante,

mirando uma miragem

deveras distante,

mas sem sombras de satisfação.


Esta ilha me devora.

Sendo o futuro incerto,

procuro me manter desperto

à procura de uma aurora.

... mas que demora!

Agora, só resta olhar à frente

- micropotente -

porque atrás vem gente

e não há tempo a perder.


Sou o que sou,

mas quem sou eu de fato?

Sem digitais, sem tato,

esqueço o que sei de mim.

Afinal, o que tenho a dizer?

Nesse mundo não sei voar,

e, enquanto não puder sonhar,

só me resta viver.

sábado, 29 de maio de 2021

A Montanha

 29/05/2021

 

As pernas enrijecidas a cada passo
e os pés esfolados no percalço
das pedras no caminho.
Sigo sozinho, mas temente
ao destino que se descortina
em minha mente.

Os rios de minhas veias abertas,
discretas, se confundem
com sudorese.
Tudo para responder à tese
de que sou aquilo que meus olhos
difundem.

Braços já não tenho mais,
mas amplio meu corpo
num gesto costumaz
que há tanto me aflige.
Todo dia, toda hora,
sob os olhos da esfinge,
em seu olhar torto.

Repleto de desgosto
e introspecção,
meus olhos se voltam ao chão
e meus pés se preparam para a
descida.
A boca fechada, contida,
pedindo aos céus
que meus joelhos aguentem.
Pois, apesar de tudo que meus poros sentem,
amanhã começa uma nova subida.